Rosa Egipcíaca
Quick Facts
Biography
Rosa Egipcíaca (Costa da Mina, 1719 - 1778), ou Rosa Maria Egipcíaca da Vera Cruz, foi autora de Sagrada Teologia do Amor Divino das Almas Peregrinas, o mais antigo livro escrito por uma mulher negra na história do Brasil.
Os dons espirituais levaram Rosa Egipcíaca a ter devotos, inclusive do clero católico, motivo que a levou aos "olhos" da Inquisição.
A vida dela inspirou a produção dos livros Rosa Egipcíaca: uma santa africana no Brasil, uma biografia de 750 páginas escrita por Luiz Mott, e Rosa Maria Egipcíaca da Vera Cruz: a incrível trajetória de uma princesa negra entre a prostituição e a santidade, um romance ficcional escrito por Heloisa Maranhão. A biografia também foi citada e inspirou a produção de vários trabalhos acadêmicos.
Vida
Rosa nasceu em Costa da Mina. Em 1725, aos seis anos de idade, após ser capturada pelo tráfico negreiro, desembarcou em São Sebastião do Rio de Janeiro, onde permaneceu até 1733.
Em seguida, foi levada para Minas Gerais pelo Frei José de Santa Rita Durão, onde viveu como meretriz durante 15 anos, após o anterior "desonestá-la e tratar torpemente com ela".
Durante o período em Minas, aos 30 anos, foi acometida por um estranho inchaço e por uma enfermidade no estômago, período coincidente com o de visões místicas, o que a levaria a deixar o meretrício e a se tornar "beata". Em 1748, vendeu jóias e roupas conseguidas durante o metrício, distribuindo tudo aos pobres.
Nesse período, passou a frequentar os ofícios divinos e liturgias. Em um deles, conheceu o padre Francisco Gonçalves Lopes, vigário da freguesia de São Caetano, famoso pelo uso de exorcismos, quando disse estar possuída por sete demônios e ter sentido um caldeirão de água fervente despejado sobre seu corpo.No primeiro exorcismo de Rosa Egipcíaca, ela caiu no chão desacordada, "partindo a cabeça na pedra debaixo do altar de São Benedito".
Em outro momento, o casal Durão disse que Rosa "era uma possessa especial, pois, quando vexada, fazia sermões edificantes, sempre preocupada que todos mantivessem perfeita compostura nos templos" e que falava grosso quando possuída por Satanás, além de ter visões como a de Nossa Senhora da Conceição.
O nome Egipcíaca foi dado em referência à Santa Maria Egipcíaca, também ex-prostituta.
As visões de Rosa levam sua fama a ser conhecida em Mariana, Vila Rica e São João del-Rei.
Certa vez, na Igreja de Nossa Senhora do Pilar, em São João del-Rei, Rosa Courana interrompeu a pregação de um missionário ao gritar que ela era o próprio Satanás ali presente.
Levada à sede do bispado, em Mariana, foi avaliada pela Igreja que a considerou "embusteira", sendo, pois, açoitada, em 1749, no pelourinho de Mariana. Conseguiu sobreviver aos castigos, mas ficou com o lado direito do corpo semiparalisado pelo resto da vida.
Em seguida, procurou o bispo da Diocese, D. Frei Manoel da Cruz, quando, após uma série de provas (uma delas envolvendo a resistência de 5 minutos à chama de uma vela), o grupo conclui que tudo não passava de fingimento, o que levou o povo a chamá-la de feiticeira.
Em São Sebastião do Rio de Janeiro, para onde fugiu em 1751 e permaneceu até 1763, aprendeu a ler e escrever motivada por inspiração espiritual.
Nesse período, ela revelou detalhes de sua vida e dons sobrenaturais ao Provincial dos Franciscanos, Frei Agostinho de São José, que passou a ser seu mentor espiritual, período também que leva os franciscanos a admirá-la pelos jejuns prolongados, autoflagelação, uso de cilício e comunhão frequente. Essas características levaram os franciscanos a chamá-la de "flor do Rio de Janeiro".
Foi fundadora em 1751, no São Sebastião do Rio de Janeiro, do Recolhimento do Parto, um local destinado a receber ex-prostitutas e de cultos que serviam biscoito de farinha feito com a saliva de Rosa. No mesmo local, ela recebeu dezenas de famílias após convencê-las de que um dilúvio só pouparia quem lá se escondesse.
Madre Rosa foi adorada por fiéis que a procuravam de joelhos, beijando-lhe os pés e venerando suas relíquias. Os cerimonais celebrados pela santa africana misturavam elementos católicos com ritos africanos, como o hábito de pitar cachimbo.
Escreveu Sagrada Teologia do Amor Divino das Almas Peregrinas, um livro de cerca de 250 páginas posteriormente qualificado como heresia e parcialmente destruído pelo confessor, ex-exorcista e coproprietário, o padre Francisco Gonçalves Lopes, conhecido como Xota-Diabos, a fim de preservá-la da Inquisição.
Ao se indispor com o clero que conversava durante cerimônias e com uma mulher na igreja de Santo Antônio, foi denunciada ao bispo, processo que reuniria outros desatinos de Rosa, como os de "dizer-se mãe de Deus, redentora do universo, superior a Santa Teresa, objeto de verdadeira e herética idolatria em seu recolhimento, além de capitanear rituais sincréticos igualmente suspeitos".
Em certo momento, chegou a dizer que o Menino Jesus diariamente ia penteá-la sua dura carapinha e, em agradecimento, dava-lhe de mamar.
Em 1763, a escrava foi tida pela Igreja Católica como herege e falsa santa, o que a levou ser presa nos Cárceres do Santo Ofício da Inquisição de Lisboa, onde não desmentiu suas visões e experiências sobrenaturais.
A morte de Rosa é uma mistério, pois o processo inquisitorial foi interrompido em 1765 não sendo identificada a pena aplicada.
Relevância acadêmica
Além de livros, a vida de Rosa Egipcíaca motivou a produção de artigos em revistas acadêmicas, especialmente a partir da pesquisa de Luiz Mott na Torre do Tombo, em Lisboa, cujo levantamento a torna a personagem negra do século XVIII de maior volume documental disponível.
Assim, de acordo com o antropólogo, Rosa Egipcíaca "é certamente a mulher negra africana do século XVIII, tanto em África como na diáspora afro-americana e no Brasil, sobre quem se dispõe mais detalhes documentais sobre sua vida, sonhos, escritos e paixão".
A pesquisadora Rosely Santos Guimarães analisa que Rosa Egipcíaca "aprendeu a ler e a escrever na língua do dominador e teve a coragem de se colocar como o sujeito de um discurso que busca mudanças na cultura vigente".
O historiador John Russell-Wood avalia que "Rosa Egipcíaca abre uma janela para a história das mentalidades de uma sociedade escravocrata e também dá identidade e individualidade a uma mulher africana, escrava e depois livre, no mar de anonimidade conferido aos escravos e aos indivíduos de ascendência africana livres no Brasil".